sexta-feira, 31 de agosto de 2012

O reencontro de Fulana e Ciclano




Ciclano, alguém muito querido há quem Fulana tem muita gratidão reencontram-se na casa de amigos em comum. Há muito Fulana não o via, não conversava, não perguntava se estava bem, feliz ou outras coisas que pessoas que não se vêem há muito fazem na certa. Lá pelas tantas, Fulana esta muito feliz pois via tanta gente querida reunida no entorno da mesa com boa comida, muita bebida e um violão acompanhado de uma flauta com a melhor música que pode ser tocada para uma ocasião daquelas. Papo abobrinha daqui, música boa dali, lembranças, até que Ciclano, muito querido que Fulana não via há tempos solta: "Fulana, toda vez que leio aquele texto com os alunos sobre a sociedade da informação e a experiência me lembro de você". A fulana, toda orgulhosa  e conhecedora daquele texto pergunta por que achando que por conta da experiência que ela havia adquirido nos últimos anos depois de tanto esforço acadêmico! Ciclano responde rindo sarcasticamente no canto da boca: "me lembro pois você é uma pessoa da sociedade da informação e não da experiência"! Fulana engasgada deu uma resposta vaga e sorridente sem querer perder o tom de confraternização da noite dizendo a Ciclano "vc realmente não me conhece depois de tantos anos". Fulana conhecia aquele texto profundamente e sabia que uma das primeiras questões pontuadas por aquele autor era sobre como as pessoas com conhecimento técnico nessa sociedade aplicam com menor ou maior eficácia seu trabalho ao contrário do sujeito da experiência que consegue lidar com teoria e pratica a partir de estratégias críticas de reflexão sobre seus fazeres! A leitura de Fulana foi imediata: Ciclano acabou de dizer que sou mera reprodutora do trabalho técnico sem reflexão. Fulana pensou um pouco sobre o que acabara de ouvir em meio ao som do violão e da flauta; pensou em todos os livros que havia lido, em todas as aulas que havia dado, em todos os lugares os quais havia estado, com todas as pessoas que haviam passado em sua vida e se perguntou se com isso ela ainda não era uma pessoa que conseguia ter a “experiência” como algo elaborado no seu fazer pessoal e profissional. Fulana se perguntava se depois de tantos anos Ciclano ainda a via como alguém que reproduzia bem suas tarefas e somente. Fulana ficou muito triste mas Ciclano não viu, nem percebeu e ela não quis ser indelicada naquela noite tão simbólica entre amigos! Fulana foi ao banheiro sem que ninguém percebesse enxugou as lágrimas e voltou a beber, comer e conversar como se o que ela acabara de ouvir fosse algo que deveria ser deixado pra lá, indiferente. Mas depois de tantos anos de vida acadêmica aquilo não era indiferente a ela. Aquele comentário não passaria desapercebido pelas próximas horas. Foi embora pensando nisso, dormiu pensando nisso e acordou pensando nisso. Fulana acordou e pensando chegou a conclusão que realmente ela era alguém que reproduzia bem tecnicamente seus fazeres e suas tarefas. Gostava de prazos e datas, era uma capricorniana típica. Lembrou também que uma das formas de aprender a vida é reproduzindo pra depois produzir do seu jeito. Mas não conseguia entender por que Ciclano, ao fazer seu comentário ainda a via como alguém incapaz de reflexão aprofundada sobras coisas! Se perguntava por que ele ainda a via como alguém que reproduz informação na sociedade da informação incapaz de transformá-la em conhecimento! Fulana pensava: será que minha verborragia contamina a exterioridade da pessoa que sou por dentro? Intrigada releu o texto citado por Ciclano pra ver se era isso mesmo. Lendo, Fulana pensava se ela era uma pessoa “incapaz de experiência”, uma pessoa a quem nada lhe acontece, a quem nada lhe sucede, a quem nada a toca, nada lhe chega, nada o afeta, a quem nada a ameaça, a quem nada ocorre. Fulana não chegou a nenhuma conclusão, entretanto se consolou por lembrar que um dos aspectos fundamentais da “experiência” é a capacidade de “formação e transformação” das pessoas. Ela havia se transformado muito nos últimos anos, mas Ciclano não poderia saber disso. Ciclano não conviveu com ela, tampouco partilhou o que a tocou, agradou, feriu ou a fez feliz nos últimos anos. Ciclano não partilhou das transformações na vida de Fulana e, portanto não poderia e nem queria saber o quanto ela experimentou dessa experiência. Fulana sabe, foi só um comentário infeliz!


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